Algumas palavras sobre a Crise, ou o fumo de Satanás entrou na Igreja.

Por Michael Amorim

A crise do liberalismo na Igreja atingiu o cúmulo pelo final do século XIX, altura em que o pensamento liberal de 1789 “circulava como o vento” e se converteu no tornado do modernismo. O Padre Vincent Miceli identificou esta heresia como tal, ao descrever a “trindade de antepassados” do modernismo: “O seu antepassado religioso é a Reforma protestante (…) o seu progenitor filosófico é o Iluminismo (…) a sua linhagem política vem da Revolução Francesa”.

Do ponto de vista da doutrina, da teologia, de seu alcance, propagação e consequências esta é a pior crise que a Barca de Pedro já teve de enfrentar. Em termos comparativos, talvez só a heresia ariana, que afligiu a Igreja do século IV, (e que “tomou todo o orbe”) chega aos pés do que vivemos hoje. São Jerônimo disse, na época, que “o mundo dormiu cristão e, com um gemido, acordou ariano”. Podemos dizer, com base em uma lista imensa de livros, documentos e testemunhos (a quantidade de provas que, por pura ação do Espírito Santo, estão à nossa disposição, é surpreendente), que o mundo moderno dormiu cristão e acordou modernista. Uma heresia que infestou as ações de pelo menos cinco Papas não tem precedentes na história.

Talvez motivados por uma forte confiança na Igreja — fazem muito bem —, muitos católicos são da opinião de que não estamos em grave crise e que, no passado, já houveram crises piores que esta que nos aflinge. É uma opinião que pode, e provavelmente mude, se prestarem atenção aos estudiosos dignos de credibilidade que já estudaram a coisa. Analisem a situação, indo às fontes e aos estudiosos sérios do assunto, e verão que tenho razão. Há muita coisa sobre o tema à nossa disposição em língua portuguesa, a exemplo do Monsenhor Lefébvre (que foi testemunha da coisa: esteve no Concílio e conheceu os bastidores), Gustavo Corção, Dr. D. Félix Sardá y Salvany (autor do melhor livro sobre o liberalismo apóstata que dominou a modernidade), Michael Davies (quem não leu sua trilogia sobre a reforma litúrgica não sabe do que está falando), Romano Amerio (não deixa dúvidas), Pe Mathias Caudron (seu catecismo da Crise na Igreja é indispensável), Hilaire Belloc (grande amigo de Chesterton. Sua história das grandes heresias é primorosa. Talvez foi ele o primeiro a alertar para a heresia modernista, embora não use este termo) e por aí vai; a lista é imensa.

Ademais, tais católicos, quando negam a gravidade da crise pela qual passamos, estão comparando a coisa em termos de perseguição e morticínio, mas quando falamos da crise na Igreja — reparem bem: NA Igreja, não DA Igreja, pois a Igreja é santa, apesar de seus membros pecadores — estamos falando de algo interno (intra murus) e tão sutil que passa despercebido a olhos desavisados (como a mudança no texto da Consagração do cálice na Missa de “Muitos” para “Todos”. O texto original na versão latina diz “Hic est enim calix sanguis mei […] qui PRO MULTIS effundetur”, enquanto as novas fórmulas conciliares lêem “pro omnibus”, ou seja, “por todos”); alastrando-se por documentos, textos, encíclicas, determinações, catecismos e instruções de modo a tentar, pela generalização, substituir a Fé de sempre. As perseguições do passado de fato foram piores, mas a Igreja perseguida ainda era católica. Nos dias atuais cessaram as perseguições, mas foi-se também o catolicismo.

Alguns católicos sinceros ainda poderão dizer que basta rezar para que as coisas se resolvam e que muitos que tratam da crise, ou mesmo que criticam o clero modernista, não são exemplos de bons católicos. É uma crítica válida. No entanto, dizer que basta ao bom católico apenas rezar, sem estudar a Doutrina para que fique protegido contra erros e heresias, é algo que a própria Igreja não subscreve. leiam a Carta encíclica “Acerbo Nimis”, de São Pio X, papa e santo, e vejam oque este representante do Magistério nos diz sobre a importância de se estudar a Santa Doutrina da Igreja. Por fim, Abusus non tollit usum. O fato de existirem maus católicos que cobram de seus superiores uma fé amparada na Tradição, não testemunha contra o pedido em si e nem torna inválido o ato de fazer o pedido. O Código de Direito Canônico dá ao fiel leigo o direito de exigir a sã Doutrina e até de corrigir, filialmente, seus superiores; alertando-os para possíveis desvios dos ensinamentos da Igreja. Em outras palavras, o direito a pedir (e até exigir) que os padres sejam católicos, não é abolido pelo fato de que alguém tenha abusado desse direito. Vale lembrar que cabe ao filho, além de honrar sua mãe, defendê-la até mesmo de seu pai se este estiver a violentá-la. O filho que entrega sua mãe nas mãos de seu violento pai é cúmplice da agressão.

Nunca deixarei de crer nas palavras de Nosso Senhor de que as portas do inferno não prevalecerão contra a Sua Igreja. Creio firmemente que a Luz de Cristo dissipará todas as trevas da “fumaça de Satanás que entrou na Igreja” (foi o próprio papa Paulo VI, autor da reforma litúrgica que criou a missa nova, quem disse que o fumo de Satanás entrou na Igreja, não eu), mas isso não significa que fingirei que nada está acontecendo e que a coisa é menor e menos grave do que parece ser, pois quem não aguenta enxergar a maldade não pode reconhecer e contemplar o Bem.

Mas não digo estas coisas em tons apocalípticos ou para incentivar falta de esperança ou a saída da Igreja Católica; de forma alguma. Quem abandona sua mãe no momento de maior dificuldade, de fome, pobreza e doença, não é digno de ser chamado filho e faz-se pior que os inimigos que tentam destruir sua casa de fora, pois este o faz desde dentro; esquecendo ou ignorando que o pecado de omissão e tão grave quanto o pecado de comissão.

Em vez de entrarmos em desespero, ofereçamos as perseguições sofridas pela conversão dos pecadores e em reparação por nossos pecados. Em vez de achar que Deus está nos abandonando, devemos entender os tempos difíceis como uma excelente oportunidade de santificação; de recebermos o Céu por herança. Já dizia São Padre Pio:

Bendita seja a crise que te faz crescer, a queda que te faz olhar para o céu, o problema que te faz buscar a Deus.

Em tempos como o nosso roguemos à Santa Teresa de Jesus para que como ela, possamos dizer:

“Senhor, sou filha de vossa Igreja. Como filha da Igreja Católica quero morrer”.

Que São Padre Pio e Santa Teresa D’ávila roguem por nós!

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